domingo, 16 de fevereiro de 2014

Feijão Verde com Natas - Rouba a cena em Lisboa!


Foto: Feijão verde com natas
Foto: Feijão Verde da Nath em Lisboa

Recentemente encontrei este livro lá por casa, "O Não Me Deixes - Suas Histórias e sua Cozinha" Editora Siciliano 2000, de autoria da ilustre Rachel de Queiroz que descreve com muita propriedade e criatividade, os mistérios da cozinha da fazenda de sua avó em pleno sertão cearense. Quando folheei o livro, resolvi contar essa historinha que me ocorreu, sobre o feijão verde que roubou a cena!


Ao chegar em Lisboa, dezembro último, resolvi oferecer um jantarzinho para os amigos da Nath, escolhi o cardápio e embarquei na aventura de cozinhar em terra luzitana, mas detalhe, para brasileiros! Resolvi que não prepararia bacalhau, no país em que ele reina triunfante, seria muita pretensão de minha parte. Com certeza, ouviria muitas comparações.

Decidi que o prato principal seria o peru, dada a proximidade do Natal. Eis que para a entrada optei pela elaboração de feijão verde que havia levado por encomenda e quiche quatro queijos. Arroz de castanha e salada verde, com tomates cereja, parmesão e molho de iogurte. Tudo muito simples e intimista, afinal a diferença de fuso ainda teimava em reclamar.

Deixei o peru marinando de um dia para o outro no vinha d'alhos que preparei com especiarias e um vinho tinto português. No dia seguinte, recheei-o com couscus marroquino e deixei assando bem lentamente no forno, todo envolvido com papel alumínio. Vez em quando, ia sendo regado com o vinha d'alhos.  (Só retirar o papel alguns minutos antes de servi-lo, para gratinar, sem  deixar ressecar a carne que deve ficar corada porém tenra).  

Despretenciosamente preparei a entrada de feijão verde com natas, assim como estamos acostumados a encontrar por aqui em Fortaleza (abaixo descreverei o "como"), a única diferença é que usamos, às vezes,  creme de leite juntamente com a nata e o queijo coalho. Usei somente as natas, pois não se encontra creme de leite por lá. Confesso que não esperava que o feijão roubasse a cena, todavia foi exatamente o que aconteceu.


Segundo as elucidações de Rachel de Queiroz no citado livro "o feijão de cada dia faz-se com o feijão seco, comum chamado feijão-de-corda, de grão pequeno e redondo. O feijão-mulatinho, de grão alongado, é mais caro e menos apreciado que o feijão de corda. Dizem as mulheres sertanejas que o feijão-de-corda dá pra comer de água e sal que já tem sabor. O mulatinho exige tempero: o refogado de alho e cebola fritos no óleo ou na banha de porco" e continua sobre as cozinhas decorrentes de nossa miscigenação... (p.77).

E voltando para o feijão explica: "base da alimentação do sertanejo, come-se de todas as maneiras: verde, maduro e seco. O verde come-se ainda na vagem, cortado em pedaços pequenos. O maduro ( o que já se pode debulhar) come-se como o seco: cozido e temperado. o tempero mais apreciado para o feijão é a nata do leite, que em geral é retirada do leite com que se faz o queijo. O toucinho de porco, em pedaços ou frito em torresmo, é complemento altamente apreciado por todos"... (p.78)


Lido isto, constata-se que o nosso tão apreciado feijão verde, na verdade é o feijão maduro - que se pode debulhar! Por aqui não se tem o hábito de comer feijão na vagem. Come-se o maduro já debulhado.

Voltando à historinha que aconteceu em Lisboa, recordo-me que quando os amigos da Nath foram chegando, aos poucos, um a um, adentrou a cozinha com o propósito de ajudar e por lá se aboletaram perto de mim. - Venham, Fiquem aqui, e aí deixei uma pergunta no ar: por que a cozinha é o melhor lugar da casa? Em O Não Me Deixes - Rachel de Queiroz explica: "...eu ia vasculhar os mistérios da cozinha de minha avó. São lembranças tão presentes quanto as aventuras nas terras da Fazenda. Na verdade, os fascínios da cozinha começavam antes de o sol nascer, quando uma das meninas acendia o fogão a lenha" (p.14).

Jantar em Lisboa e os amigos se aboletaram na cozinha
E sobre suas lembranças Rachel de Queiroz continua a esclarecer: "elas também contém as memórias de sabores até hoje sobreviventes. Ir para o Não Me Deixes significava mudar completamente os gostos e cheiros, pois a cozinha sertaneja é muito diferente da que comemos aqui no sul. Até hoje, quando me sento à mesa da Fazenda, ao provar o feijão-de-corda temperado com coentro fresco e nata de leite, sinto a lembrança daquele mesmo sabor e do seu impacto distante." (p.16)

Atribui-se a esse fascínio exercido sobre nós, desde crianças, que a cozinha é sempre o local mais apreciado da casa. Eu mesma não gostava de dormir depois do almoço, para mim que tudo estaria acontecendo por lá, na cozinha, e que eu não estaria participando. Deve ser por isso que quando se emprega a expressão: "fulano é da cozinha de sicrano" denota bastante intimidade.

Quando finalizei o feijão maduro, todos já estavam anciosos por esta iguaria, certamente porque através de um fio tênue da lembrança, que é a memória gustativa do sabor, seriam reportados às suas origens, ao seu torrão natal.  Ter um pouco de brasilidade já lhes bastariam.

Eis a receitinha simples e bem sertaneja:
Jantar em Lisboa. Nath e seus amigos.

03 litros de água
2k de feijão maduro debulhado (rsrs)

500g de natas
200g de queijo coalho cortado em cubos
200g de queijo parmesão ralado grosso
01 cebola cortada em pequenos cubos
Coentro picado
01 fio de óleo
Noz-moscada ralada
Sal a gosto


Modo de Preparo:

Cozinhe o feijão limpo e escorrido num panela grande e funda com água e o fio de óleo por uns 40 minutos. Em seguida, quando a água baixar e o grão estiver macio, acrescente a cebola e o sal. Passe para um refratário, com o mínimo de caldo. Acrescente a noz-moscada, as natas, o queijo coalho em cubos e, por último o queijo parmesão. Leve ao forno para gratinar por 15 minutos. Ao servir acrescente o coentro picado. 

Neste jantar o feijão maduro com natas roubou literalmente a cena, agradou tanto, que não ficou nada para quem chegou por último.

O Sertão de Rachel de Queiroz - Quixadá-CE
Sertão de Rachel de Queiroz. Quixada-CE

3 comentários:

  1. Adoreeei! Tanto que repeti a receita várias vezes de lá pra cá. Além disso, prometi aos amigos que o feijãozinho será oferecido a eles novamente em breve.

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  2. Nossa esse dia foi simplesmente maravilhoso!! O jantar estava ótimo!!! Mas, esse feijão realmente roubou a cena é apaixonante!!!! Eu amei!!! Verinha adorei mt ter te conhecido!! Mt obrigada pelo jantar!!! :))) Bjoss

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    1. Raquel, o prazer foi meu em lhe conhecer. Uma pessoa muito espontânea e cativante. Fico feliz em saber que a Nath tem feito ótimas amizades em Lisboa.

      Ao regressar ao Brasil apareça em Fortaleza para comer esse feijão verde que é bastante apreciado por aqui. Acredito que ele cumpriu essa missão por aí, de colocar o Brasil um pouquinho mais perto de voces. Abraço!


      Vários restaurantes servem o danado do feijão verde acompanhado com cerveja.

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