quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Resenha do Livro Escoffier : o rei dos chefs

Compartilho resenha que elaborei sobre o livro Escoffier : o rei dos chefs, que aborda a vida de um dos maiores chefs que revolucionou a cozinha francesa. Vale a pena conferir!


ESCOFFIER - UMA VIDA DE DEDICAÇÃO E AMOR À GASTRONOMIA


James, Kenneth
Escoffier : o rei dos chefs/ Kenneth James; 
tradução de André Luiz Alvarenga. – São Paulo:
 Editora Senac São Paulo, 2008.

A obra discorre sobre a vida de Auguste Escoffier, sua trajetória do anonimato à fama, fruto de uma disciplina rígida, temperada com dedicação e amor ao que fazia, num cenário de incertezas e adversidades em tempo de guerra. Relata ainda, a relação profissional com César Ritz – uma parceria que deu certo – e resultou em sucesso.  Desta maneira, a história do surgimento da hoteleira de luxo representada pela fundação das cadeias de hotéis Carlton-Ritz, tornou-se legado que ficou para a posteridade.

Encontra-se descrita em 18 capítulos intercalados por temas secundários (interlúdios), com narrativa clara e direta, em ordem cronológica dos fatos, sobre a época em que viveu Escoffier, transportando o leitor a cenários inusitados e comoventes. São 471 páginas ricas em detalhes e minúcias da gastronomia francesa da época, e de sua transformação, rumo à modernidade. 

            Na aldeia de Villeneuve-Loubet, na Cotê d’Azur francesa, próximo de Nice, nasceu Auguste Escoffier, em 28 de outubro de 1846. Com quase 13 anos de idade, foi comunicado pelo pai que seguiria a profissão de cozinheiro.  Seu primeiro emprego foi como aprendiz de cozinha de seu tio François. Honrou-a com determinação, dedicando-se integralmente, de forma a obter o reconhecimento e confiança de seu tio e de empresários do meio, o que lhe conferiu a possibilidade de, mais tarde, galgar postos mais altos.

            Naquele tempo, o ambiente da cozinha era praticamente inóspito, repleto de calor e barulho, que segundo Escoffier: “aqueles anos foram bem difíceis de passar, mas um desejo e uma determinação crescentes levaram-me a aceitar a situação sem o menor descontentamento” (p. 27) e, “culinária é uma ciência e uma arte, e merece consideração o homem que, para satisfazer seu semelhante, põe todo o seu coração” (ps. 27 e 28). Com tais afirmativas, demonstrava para o mundo a sua determinação e amor ao que se propunha fazer.

            Cedo Escoffier percebeu que na culinária havia um vasto campo de estudo e desenvolvimento, e disse para si mesmo: “Embora de início não tivesse pretendido entrar nesta profissão, uma vez que estou nela, vou trabalhar de maneira tal que me destacarei sobre o comum, e farei o melhor que puder para elevar novamente o prestígio do chef de cozinha” (p. 28).

            Com esse pensamento deu início a sua carreira. Era ambicioso, confiante em suas habilidades e sabia o que queria fazer. Conheceu pessoas de posses, que exigiam uma culinária da mais alta qualidade e podiam pagar por isso. Portanto disse: “embora percebesse que minha maturidade era pouca para saber o melhor para mim, meus olhos estavam voltados para Paris” (p.33).

            Para tanto, o proprietário do restaurante du Petit Moulin Rouge, em Paris, foi a Nice em busca de pessoal para o seu restaurante e,  ao experimentar o langouste niçoise do Chez Philippe, conheceu Auguste Escoffier, tendo lhe oferecido trabalho. Em 1865, Auguste assumiu seu novo emprego de ajudante de cozinha ou segundo commis-rôtisseur, conseguindo a tão almejada ascensão em Paris que, lhe propiciou os primeiros contatos com figura ilustres (lordes, reis, imperadores), que o impulsionariam ao sucesso mais tarde.

            Ainda no Petit Moulin tornou-se chef garde-manger. Desenvolveu a paixão por café desde os dez anos quando foi proibido de bebê-lo. Em 1883, escreveu um artigo em onde afirmou ser essa bebida o complemento necessário para todas as refeições. Realizou pesquisa e disse ser “O povo francês, o mais esperto do mundo, não tinha nenhuma necessidade do café como remédio, mas tanto a corte quanto a burguesia o adotaram como um novo prazer gastronômico” (p.38).

            Em 1866, prestou serviço militar e, ao retornar em 1867, ao Petit Moulin, tornou-se chef-garde-manger, responsável pelo controle de estoque e pela despensa. Em 1868, foi promovido chef-saucier, com apenas 22 anos. Ele se dedicou ao estudo da composição dos molhos e sua correlação com os componentes do prato final. O Autor relata que “para Auguste o molho tinha de ser não só a parte fluida do corpo de um prato, mas compor a própria alma do prato” (p. 56). Criou um sistema de molhos de fácil compreensão. 

            Foi convocado em julho de 1870, para ir para a guerra com os prussianos, passou por situações inusitadas no auge do combate, a exemplo de ter que preparar refeição improvisada no meio do campo de batalha, literalmente sob as armas do inimigo, além de enfrentar a escassez dos suprimentos, a exemplo da falta de sal. 

            Em 28 de outubro, os prussianos fizeram os soldados do exército francês prisioneiros de guerra. Escoffier foi confinado com outros 250 prisioneiros no campo Mayence na Alemanha, com bastante desconforto e pouquíssima comida. Contudo,  como conhecia pessoas de influência, conseguiu sair de lá para trabalhar num cassino em Wiesbaden, e em seguida, como chef de cozinha do quartel-general de MacMahon, onde cozinhou para seus adversários políticos.

             Na véspera de Natal conseguiu autorização para ir visitar seus velhos companheiros do campo Mayence, e relata solidário: “Eram nove e meia quando, lamentavelmente, tive que deixar meus infelizes camaradas, e sentia que era uma questão de obrigação eu ter passado com eles a noite de Natal naquele campo desolador”. (p.98).

            Escoffier regressou à França, em decorrência de um tratado preliminar de paz que foi ratificado. Porém numa época de muita adversidade, outros fatos históricos se desenrolam ao ponto de Paris ser sitiada e ratos serem vendidos nos mercados por um franco cada, em decorrência da falta de alimentos, até os animais do zoológico viraram cardápio de carnes exóticas nos restaurantes. Muitos morreram de desnutrição, intoxicação alimentar e pneumonia.     Sobre as experiências de Auguste na Guerra Franco-Prussiana, ele nunca relatou suas dificuldades, mas ressalta a dos seus compatriotas.

            O matrimônio de Escoffier decorreu da disputa de um jogo de bilhar com o amigo Paul Daffis, que aceitou apostar a mão de sua filha e, assim, resultou em 28 de agosto de 1878, no casamento de Auguste com a Mlle. Delphine Daffis. Da união nasceram dois filhos e uma filha: Paul, Daniel e Germaine.

            Em meados de 1866, Auguste Escoffier e César Ritz se uniram em torno do Grand Hotel Monte Carlo. César reconheceu de imediato às qualidades de Auguste afirmando: “Mosieur Escoffier, indubitavelmente, é o melhor chef do mundo, está bem à frente de todos os chefs que já conheci”. (p. 180). Auguste admirava a forma de trabalho do César que, até mesmo em coisas aparentemente pequenas se envolvia.

            Sabe-se que a parceria entre eles funcionou muito bem. Segundo o autor: “Uma verdadeira sinergia; juntos, sua performance era melhor que a soma de suas contribuições em separado” (p.180). Auguste defendeu o sistema de apresentação, iniciada por Carême, embora preferisse a simplificação dos pratos. Mais tarde, revelou-se entusiasta da simplicidade, dando prioridade aos desejos do cliente.

            No restaurante do Grand, em Monte Carlo, introduziu um modo novo método de servir uma refeição. Pratos simplificados num cardápio reduzido e servidos por etapas, que mais tarde seria disseminado pelo mundo. César disse: “O National somente se tornou um grande hotel quando Escoffier assumiu a gerência das cozinhas”. (p. 187).

            César Ritz participou da inauguração do Savoy e identificou possíveis problemas que contribuiriam para o fracasso do hotel. Sua crítica era em relação ao pouco conhecimento de administração de hotéis pelos gestores do Savoy. Mais tarde, César foi convidado para gerir o hotel e convida Escoffier, dizendo: “Estou contando com seu apoio neste negócio, Auguste, e quero que assuma a organização e o gerenciamento das cozinhas”. (p. 210, 211).

            Auguste foi a Inglaterra, reorganizou as cozinhas do Savoy da mesma forma trabalhada no Grand, além de treinar toda a equipe. Levou progresso, com instrumentos e maquinários, e suas cozinhas amplamente equipadas com utensílios modernos.  Introduziu novos pratos e novos sabores à vida dos britânicos, inclusive o hábito de comer rã.

            César inaugurou seu novo hotel na Place Vendôme em 1º de junho de 1898, o hotel Ritz de Paris, que contou com o apoio e adesão de toda a equipe formada no Savoy. Auguste foi mentor de diversos periódicos abordando temas culinários. O primeiro deles, em 1883, foi L’Art Culinaire e, dez anos depois, Le Pot au Feu, ambos em Paris. Em 1911, veio à luz Le Carnet d’Epicure, encerrada em 1914, com a Grande Guerra. La Revue Culinaire em 1920. Baseavam-se, em experiências pessoais vivenciadas em suas cozinhas e em suas viagens.  

            O Carlton foi o primeiro hotel de Londres a ter um banheiro para cada quarto, sinônimo de prosperidade para a época. Auguste, criou novos menus e publicou uma receita simples: “Escalfe pêssegos em xarope de baunilha. Arranje-os num timbale, sobre uma camada de sorvete de baunilha, e cubra-os com purê de framboesa”. (p. 315). Homenageou a cantora australiana Melba, com a nova receita. 

            Auguste com 68 anos de idade, ainda apresentava dinamismo, atuando em todas as seções desfalcadas do hotel em decorrência da convocação para a Grande Guerra. Atuava como se a equipe estivesse completa e não deixava cair o padrão dos serviços. Finalmente, aos 73 anos de idade, desligou-se do emprego em julho de 1920.

            Gozando da aposentadoria, foi morar, entre familiares e amigos, em Monte Carlo. Gostava de dizer a todos que: “madame Escoffier cozinha melhor do que eu” (p. 408). A administração do Carlton concedeu-lhe uma pensão vitalícia de uma libra esterlina por dia, praticamente irrisória, mas rara no segmento de hotelaria.Tal atitude desperta em Escoffier sentimentos de ingratidão recebidos do grupo,  por todos os seus anos de dedicação.

       Como Auguste gozava de prestígio profissional e, tinha muitos contatos e amizades no meio, foi bastante requisitado na Europa e nos Estados Unidos para dar palestras, prestar assessoria e inaugurar exposições culinárias e hotéis, entre outros. Madame Delphine, ficou doente em 06 de fevereiro de 1935, e morreu. Em 12 de fevereiro, Auguste Escoffier, também faleceu em Monte Carlo com 89 anos.

Escoffier deixou uma vasta contribuição em livros de receitas, periódicos e revistas nas quais escreveu à época. Destaque para a receita Langouste niçoise ou provençal - uma de suas primeiras criações que lhe resultou em ascensão -, elaborada no Chez Philippe, em Nice. Introduziu algumas especiarias em cardápios sofisticados, a exemplo do alho, ressaltou a utilização do ovo nas mais diversificadas formas, reformulou o preparo de molhos, tornando-os mais simples, bem como foi responsável pela difusão de um prato exótico, como a rã, no cardápio dos ingleses.

Foi bastante inovador ao abolir métodos da cozinha francesa tradicional e implantar métodos mais simples e descomplicados desde a hora da elaboração do prato até o momento de servir a refeição, sem perder de vista o esmero pela apresentação do prato e a primazia do sabor.

Trabalhou 75 anos e deu exemplo para a gastronomia francesa, pela capacidade em lidar com tantas adversidades e pela dedicação e amor ao que fazia, além de demonstrar traços de um homem íntegro, solidário e leal.

Fruto da parceria com César Hitz, alcançou o notório sucesso, tendo formado equipe e sucessores, conduzindo com maestria a organização de cozinhas de grandes e luxuosos hotéis a exemplo do Grand Hotêl Monte Carlos, Grand Hotêl National, em Lucerna, Savoy em Londres, Hilton em Paris, tendo participado da fundação das cadeias de hotéis Carlton-Ritz entre outros, transitando entre mundos de simplicidade e de glamour e influências.

A riqueza de detalhes apresentada na obra por Kenneth James, a exemplo de técnicas e receitas, e das posturas dos profissionais Auguste Escoffier e César Hitz amplamente realçadas, se configura como grande contribuição para a formação de novos profissionais da área de hotelaria e de gastronomia – administradores e estudantes de cozinheiros e futuros chefs – fonte inspiradora que denota, não somente ao conhecimento técnico, mas, principalmente, aos aspectos atitudinais o diferencial no mundo empresarial.

Vera Cavalcante é estudante do primeiro semestre do curso de Graduação Tecnológica em Gastronomia das Faculdades Nordeste – FANOR.




FORTALEZA (CE)
Junho de 2013



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